Quase dois irmãos

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Três shows

Frieza, mau humor, inveja ou o que quer que tenha me atacado. Não tive a menor vontade de assistir ao show do U2, nem pela televisão. Minha opinião sobre a banda não é nada lisonjeira. Uma fita de 60 minutos (alguns anos atrás seria uma VAT 46) é mais do que suficiente para mim. Ou seja, estão melhorando.
A reclamação mais comum a respeito da apresentação ("trabalho feito um louco e não tenho dinheiro para ir ao show") é pertinente e compreensível, mas confusão na fila do supermercado, 200 paus por um show numa segunda-feira em São Paulo é demais! Enfrentaria isso tudo por uma apresentação dos Beatles ou do Zappa. Pelo evento e pela manifestação esotérica. E com essa grana daria para passar um final de semana confortável no Rio e assistir aos Rolling Stones em Copacabana. Mas fã é uma criatura irracional e isso também é compreensível.
E as transmissões, hein? Um show à parte! Pelamor, quem contratou o Zeca Camargo? Tipo assim, gente, alguém precisa explicar para o rapaz que ele não está mais na Capricho. Se a transmissão não era ao vivo, por que não deram um texto simples para o moço? Para criar aquele clima de improviso e não dar na vista, um texto dele serviria.
E quando acreditamos que nada pode piorar, algum cérebro por trás das câmeras decidiu colocar legendas em português nas letras das músicas do U2. Na certa tentando recriar o clima do show para os telespectadores, .
"Pra audiência cantar em casa!"
[PS: Ninguém perguntou ou está sinceramente interessado nos textos que prometi publicar aqui sobre a papelada que encontrei, mas como estou acostumado a dar satisfações mesmo que não peçam, lá vai: eles estão rascunhados e logo serão publicados.]

domingo, fevereiro 05, 2006

Torcedores II

Apesar de exemplos pouco harmoniosos, insisto, poucas coisas no Brasil unem tanto os homens de uma família quanto o futebol.

Certa vez, meu pai levou o carro ao mecânico para um conserto qualquer e nos carregou junto. Nada provoca tanta adoração e estranhamento num menino quanto uma oficina mecânica. É uma espécie de paraíso do universo masculino. Automóveis desmontados, graxa e sujeira irreprimidas, diversas ferramentas espalhadas nas bancadas, pôsteres de times de futebol, mulheres gostosas expostas nos calendários e um boteco ao lado.

Naquela oficina ainda encontramos espaço para algo incomum: um soneto em letras góticas bem desenhadas e devidamente emoldurado na parede. Encantados, pedimos ao proprietário três cópias do soneto, uma para cada. O proprietário nos cedeu o texto por um momento, fomos até uma papelaria e voltamos com nossas cópias, satisfeitos e cúmplices. Ao pé do soneto uma advertência ‘Reprodução Proibida’. Éramos foras-da-lei. O soneto era esse aqui:


Corinthians

Corinthians, meu amor, durante a vida,
Tens sido meu emblema e meu escudo;
Gozo contigo as glórias da conquista
E em teus reveses nunca fiquei mudo.

Tenho por ti o sentimento agudo
De uma paixão ardente e estremecida,
Sou parte viva da fiel torcida
Que em teu favor será capaz de tudo.

Se deste à Seleção um Rivelino,
Outros astros darás, que o teu destino
É legar ao Brasil novas conquistas;

Porque tu és, Corinthians muito amado,
O clube mais vibrante e idolatrado,
Glória e paixão dos corações paulistas!

José Soares Cardoso



Nunca carregamos um daqueles calendários conosco. Poucas coisas no Brasil unem tanto os homens de uma família quanto o futebol.

Torcedores

As lágrimas de meu irmão após a derrota do Brasil para a França, nos pênaltis, na Copa do Mundo do México em 1986, formam a primeira lembrança que tenho sobre futebol. A que tenho do Corinthians é o gol de Viola contra o Guarani na final do Campeonato Paulista de 1988 que vi pela televisão com meu pai. Poucas coisas no Brasil unem tanto os homens de uma família quanto o futebol. Era curioso assistir aos jogos do Corinthians ou da Seleção Brasileira com eles na mesma sala.

Meu pai era o tipo de torcedor que reclamava somente de seu próprio time, do técnico, do goleiro inseguro, da falta vontade e habilidade dos jogadores. Poucas vezes vi meu pai insinuar que o time estava sendo prejudicado pelo juiz. As derrotas eram resultado das deficiências do próprio time. E ele reclamava do time o tempo todo.

Meu irmão, ao contrário, possuía um extraordinário auto-controle durante uma partida. Evitava fazer qualquer tipo de comentário a respeito da atuação do time ou do juiz. Os sentimentos represados afloravam em explosões de alegria no momento do gol ou de tristeza em caso de derrota. Era um torcedor muito angustiado. Dos mais angustiados que já conheci.

Quanto a mim, como o auto-controle de meu irmão ficava sempre por um fio diante das efusivas manifestações da opinião de meu pai, acompanhava esse embate psicológico de gerações sem tomar posição, o que talvez explique minha atual opção pela moderação. Ainda assim, sou o responsável por introduzir o palavrão durante o futebol, único momento em que eles poderiam ser pronunciados sem ameaças a integridade física da boca e dos dentes.

Na Copa da Itália em 1990, meu irmão abandonou a sala em que estávamos assim que Canniggia marcou para a Argentina o gol que desclassificaria o Brasil, e foi assistir ao restante da partida no quarto dos meus pais, enquanto meu pai continuou na sala criticando toda a comissão técnica brasileira pelo fracasso. Passei o resto do jogo em trânsito, do quarto dos meus pais para a sala e dali de volta para o quarto. Ao final da partida, vi meu irmão chorar outra vez.

O último embate que vi entre os dois foi durante a segunda partida da final do Campeonato Paulista de 1993 entre Corinthians e Palmeiras. O Corinthians havia vencido a primeira partida por um a zero, gol de Viola, e jogava por um empate. Na segunda partida, o Corinthians teve o zagueiro Henrique expulso logo no início da partida, assim como o goleiro Ronaldo. O Palmeiras massacrou o Corinthians naquele jogo, ganhou o campeonato e saiu da fila de dezessete anos sem título em cima do arqui-rival. Em casa, esqueci a moderação e quase colocamos meu pai para correr.