Quase dois irmãos

domingo, outubro 30, 2005

Frase

"Os pessimistas são pessoas insatisfeitas com o mundo. Em princípio, seriam as únicas interessadas em alterar a rotina, uma vez que, para os otimistas, é razoável como está. Mas, ultimamente, gosto de dizer outra coisa: eu não sou pessimista, o mundo é que é péssimo. Com isso tranfiro a culpa para a realidade."
José Saramago, em entrevista a OESP, ontem.

O professor de desejo

[calma, pessoal. E o título de um romance de... adivinhou!]
"Como marco dos restos mortais de Kafka e diferente de qualquer outra coisa vista no local, uma pedra ereta, alongada, branca, levantando para cima seu membro pontudo - uma pedra tumular fálica. Essa a primeira surpresa. A segunda é que aquele filho assediado pela família está enterrado para sempre - ainda! - entre a mãe e o pai, que morreram depois. Apanho um seixo do chão, colocando-o em cima de um dos pequenos montes ali empilhados por outros que me precederam nessa peregrinação. Jamais fiz semelhante coisa com meus avós enterrados, junto de dez mil outros, nas proximidades de uma linha de trens, a vinte minutos de meu apartamento em Nova york, e tampouco visitei o túmulo de minha mãe à sombra das árvores de Catskill, desde que acompanhei meu pai para erguer a pedra tumular. As lajes escuras e retangulares perto do túmulo de Kafka registram nomes familiares judeus. É como se eu estivesse procurando no meu próprio livro de endereços, ou no balcão de recepção, olhando por cima do ombro de minha mãe, o registro de hóspedes do Hungarian Royale: Levy, Goldschmidt, Schneider, Hirsch... Os túmulos continuam indefinidamente, porém só o de Kafka parece ser bem-cuidado. Os outros mortos não possuem sobreviventes nas proximidades para arrancar a vegetação rateira e cortar hera que se enrosca nos galhos das árvores, formando uma cobertura que une o túmulo de um judeu a outro. Somente o solteirão sem filhos parece possuir descendentes vivos. Onde haverá mais ironia do que no túmulo de Franze Kafky?"
(Philip Roth, O professor de desejo. trad. Gabriella de Mendonça Taylor. Círculo do Livro, 1977, p. 143-144)

terça-feira, outubro 18, 2005

Complexo de Portnoy

[Poderia reproduzir aqui alguns trechos sobre onanismo, igualmente hilários. Mas temos meninas na sala]
"Pregado por cima da pia dos Girardi, há um quadro com Jesus Cristo subindo ao Céu numa túnica cor-de-rosa. Quão asquerosos chegam a ser os seres humanos! Desprezo os judeus pela sua estreiteza de idéias, sua ostentação de virtude, o sentido incrivelmente bizarro que estes homens das cavernas que são os meus pais e parentes têm às vezes da sua superioridade - mas quando se trata de espalhafato e vulgaridade, de crenças que envergonhariam até mesmo um gorila, é realmente impossível superar os goyim. Que espécie de palermas desprezíveis e desmiolados é essa gente para adorar alguém que, primeiro, nunca existiu, e segundo, se o tivesse, com a aparência que tem no quadro, seria, sem dúvida, o Maricas da Palestina. Num corte de cabelo de pajem, uma cútis Palmolive e usando uma túnica que hoje verifico deve ter vindo do Fredericks de Hollywood! Basta de Deus e do resto desse lixo! Abaixo a religião e a baixeza humana! Viva o socialismo e a dignidade do homem! Na verdade, a razão para eu estar visitando o lar dos Girardi não é tanto para marretar a filha deles mas para evangelizar em nome de Henry Wallace e Glen Taylor. Está claro! Pois quem são os Girardi senão o povo, em cujo favor, por cujos direitos, liberdades e dignidades, eu e o meu futuro cunhado acabamos discutindo todas as tardes de domingo com os nossos parentes mais velhos (que votam com os Democratas e pensam como homens de Nenderthal), perdidamente ignorantes, meu pai e meu tio. Se não gostamos daqui, dizem-nos, por que não vamos para a Rússia, onde tudo está a contento? 'Você vai fazer deste garoto um comunista', meu pai previne Morty, enquanto eu grito: 'Vocês não entendem! Todos os homens são irmãos!' Cristo seria capaz de estrangulá-lo ali mesmo por ser tão cego à fraternidade humana!"
(Philip Roth, Complexo de Portnoy. 3ª ed. trad. César Tozzi. Ed. Expressão e Cultura, 1971, p. 186-187)

segunda-feira, outubro 17, 2005

Eros


O primeiro episódio de Antonioni é sobre incomunicabilidade e desejo, mas isso é apenas um chute. Talvez eu não tenha entendido nada, o que comprova apenas a primeira parte da tese.(Prova irrefutável de minha ignorância artística: uma das cenas que me chamou a atenção foi a Maserati que por algum mecanismo automático acionado pelo motorista recolhe os retrovisores quando ele saí com o carro pelo estreito portão de madeira. No Brasil, o propritário de um carro como esse e com o mesmo problema não teria dúvida: derrubaria o muro, instalaria um portão automático e ainda demitiria o caseiro que abre a porta para a moça).
O de Soderbergh se passa nos anos 50 e faz humor com a consulta de um publicitário ao psicanalista. Alan Arkin como psicanalista voyeur é muito engraçado.
O último e melhor o de Wong Kar-Wai mostra o relacionamento entre uma prostituta e seu devotado alfaiate. Vai fazer filme bonito assim na China.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Circo Fellini




Sei que você está com pressa, mas a exposição Circo Fellini merece a sua visita. Para quem gosta de cinema, é parada obrigatória. Os desenhos, as fotografias dos bastidores, os roteiros e os cartazes dos filmes fazem um bom apanhado da obra desse genial diretor e estimulam uma visita à locadora.
E se você não se apaixonar pela marionete da Gelsomina que está lá de braços abertos, linda, linda, esperando apenas a sua visita, procure um médico. Deve ser grave!
(caricatura de David Levine, copiada daqui)

terça-feira, outubro 11, 2005

Oscar Niemeyer II

(atendendo a pedidos, outro trecho da matéria de Fred Melo Paiva)

Dito isso, o assunto remete Oscar Niemeyer a um de seus idiotas prediletos.

- É um idiota! Um merda! Vai morrer como qualquer um de nós. E tem o poder, e invade, e é uma péssima figura, esse Bush. Pra que tudo isso? A vida é um minuto, é um sopro...

Enfim...

- É um filho da puta! Mas não ponha isso, não... Não ponha isso não, porque outro dia eu disse que um sujeito era filho da puta e aí veio um jornalista: "O senhor disse que fulano era filho da puta?" Eu lhe respondi: "Olha, eu não conheço a mãe dele... mas é um filho da puta".

domingo, outubro 09, 2005

Passe adiante

“Alegre tem a ver com literatura; bobo alegre, com auto-ajuda.” – Silviano Santiago, crítico literário.

Oscar Niemeyer

Entrevista ao Aliás do Estadão, hoje:

“O tempo está passando para Oscar Niemeyer. Ele diz que não tem nada com isso. A Terra é que está envelhecendo, com seus terremotos, sua onda gigante, seu superaquecimento. O diabo é que Oscar Niemeyer já perdeu muita gente. Annita, a esposa, morreu a um ano.
– Nós nascemos, como dizia Sartre, e começamos a morrer. Então pra que essa empáfia, pra que essa briga? A vida é assim mesmo e eu sou pessimista. O ser humano não tem solução: nasce e morre como qualquer bicho. Se o poeta faz um livro bom, feito o Ferreira Gullar, a gente tem prazer em ler a poesia bonita. Mas tudo é fantasia para ajudar a viver. Nada diminui a fragilidade do ser humano.
Enfim:
– Nasceu, tá fodido.”

segunda-feira, outubro 03, 2005

Gore Vidal

Trechos da entrevista concedida a Emma Brockes do The Guardian, traduzida e publicada pelo Estadão, ontem, por ocasião dos 80 anos de Gore Vidal, completados hoje:
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"O assunto que mais o fascina é a política e pergunto se ele está surpreso com a inabilidade de Bush em lidar com as inundações na Louisiana. 'Não.' Ele força um pequeno sorriso. 'É uma administração corrupta...' A voz de Vidal começa a se elevar e todo seu corpo se infla ao concluir a frase: '...como eles já provaram para o mundo inteiro. Eu estava justamente assistindo à televisão, e vi Bush pela primeira vez admitir que pode ser culpado'. E ele foi convincente? 'Nãaaao. Convincentes foram seus manipuladores que lhe disseram vá lá e peça desculpas.' "
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"Quando Clinton foi ameaçado de impeachment, disse que Monica Lewinsky foi plantada na Casa Branca pela indústria do tabaco para derrubar o presidente. Pergunto se ele ainda acredita nisso. 'Bem. Sexo é sexo, quem se importa? Mas se você tem uma imprensa que explora, exagera e as pessoas dizem ´Impeachment!´, o único motivo para impeachment é a traição. Por que ele contou uma mentira sobre não ter tido relações sexuais com ela? Eles o pegaram por perjúrio. Sabiam que, sendo casado e pai, diria que não. Não seria normal que ele dissesse: ´Oh, sim, sim, tivemos momentos muito selvagens.´ Assim, com uma acusação capciosa, eles derrubaram uma administração no momento em que precisávamos de um presidente competente.' "
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"A idade não o mudou. Seu estilo literário é 'tão desagradavelmente límpido' como sempre foi. Sua visão do mundo também permanece inalterada. 'Minha opinião do mundo nunca foi elevada. E o mundo não tem feito nada para mudar.'”
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"As próprias reflexões de Vidal, por mais sábias que sejam, em geral são percebidas hoje como frutos de um incorrigível complexo de superioridade.Pergunto se tem consciência disso. Ele bufa: 'Que forma isso tem?' Nunca admite estar errado. 'Sim, tenho consciência.Acho que é porque falo frases completas, o que é considerado não-americano.' Quando foi a última vez que admitiu estar errado? 'O tempo todo. Acredito que qualquer pessoa que pense se dá conta de cometer um monte de erros.'"
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"Você admitiu oficialmente para as pessoas de sua família que era homossexual? 'Nunca escondi isso. Elas tinham plena liberdade para sair, comprar meus livros e lê-los.' E fizeram isso? 'Meu pai gostou de A Longa Espera do Passado. Minha mãe não.Ela não lia. Bebia.'
O primeiro indício de que Howard [Howard Austen, parceiro de Vidal durante 55 anos] estava doente foi uma queda no jardim. 'Ele teve câncer. E já tinha atingido o cérebro quando descobrimos. A capacidade de locomoção dele já era ruim quando caiu de cara no chão. Passamos por uma série horrível de cenas de morte.' Durante um ano após a morte do companheiro, Vidal não conseguiu comer. 'Tornei-me anoréxico.' Como saiu dessa? Ele sorri, fracamente. 'Comi alguma coisa.'"