O professor de desejo
[calma, pessoal. E o título de um romance de... adivinhou!]
"Como marco dos restos mortais de Kafka e diferente de qualquer outra coisa vista no local, uma pedra ereta, alongada, branca, levantando para cima seu membro pontudo - uma pedra tumular fálica. Essa a primeira surpresa. A segunda é que aquele filho assediado pela família está enterrado para sempre - ainda! - entre a mãe e o pai, que morreram depois. Apanho um seixo do chão, colocando-o em cima de um dos pequenos montes ali empilhados por outros que me precederam nessa peregrinação. Jamais fiz semelhante coisa com meus avós enterrados, junto de dez mil outros, nas proximidades de uma linha de trens, a vinte minutos de meu apartamento em Nova york, e tampouco visitei o túmulo de minha mãe à sombra das árvores de Catskill, desde que acompanhei meu pai para erguer a pedra tumular. As lajes escuras e retangulares perto do túmulo de Kafka registram nomes familiares judeus. É como se eu estivesse procurando no meu próprio livro de endereços, ou no balcão de recepção, olhando por cima do ombro de minha mãe, o registro de hóspedes do Hungarian Royale: Levy, Goldschmidt, Schneider, Hirsch... Os túmulos continuam indefinidamente, porém só o de Kafka parece ser bem-cuidado. Os outros mortos não possuem sobreviventes nas proximidades para arrancar a vegetação rateira e cortar hera que se enrosca nos galhos das árvores, formando uma cobertura que une o túmulo de um judeu a outro. Somente o solteirão sem filhos parece possuir descendentes vivos. Onde haverá mais ironia do que no túmulo de Franze Kafky?"
(Philip Roth, O professor de desejo. trad. Gabriella de Mendonça Taylor. Círculo do Livro, 1977, p. 143-144)
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